Após sua estréia a três anos do primeiro lançamento em carreira solo com o bom disco ''Quatro letras", o zangão George Israel, detona seu segundo disco como cantor, ''Distorções do meu jardim''. O som do George é claramente uma influência dos Beatles e anos 70. A melhora notada é na interpretação vocal, bem mais segura do que antes e nas composições que se comportam como um verdadeiro álbum. São 12 canções com apelo radiofônico, bom gosto e ótima produção. Em entrevista exclusiva George Israel fala do disco novo, carreira solo e Kid Abelha.
Por Elias Nogueira
- Vamos começar falando do disco novo?
- Este disco foi gravado em boa parte em Teresópolis, casa de meus pais, que venho desde meus dez anos de idade. É um lugar que emana a música e é onde fico nas minhas férias. Fui para lá, porque acho que cada disco tem uma história e esse tipo de movimento acaba dando um sabor diferente em cada trabalho. Isso faz parte do processo caótico do estúdio e usamos muito os acontecimentos e encontros. Fui junto com o Damien Sieth e Nilo Romero que são os produtores do disco. O Damien que é mais técnico, comentou que tinha muita vontade de gravar ao ar livre, coisa que ele nunca havia feito. Mas a sugestão era gravar dentro do jardim. Colocamos toda aparelhagem no jardim e rolou um som bacana!
- O disco inteiro foi gravado assim?
- Não, a metade das bases foi feita desta maneira. O Britos também fizeram uma participação nesse lugar. Tem o lado metafórico e poético da coisa. Várias músicas falam de flores e de plantar no sentido poético. Acabou entrando “As rosas não falam”. Estava tudo muito presente, essas imagens e jardins.
- Você já tinha em mente gravar “As rosas não falam” antes?
- Quando estávamos preparando o show, esta música, nós levávamos de bobeira nos ensaios. Não sei porque, eu puxei por ela e acabou vindo uma harmonia totalmente blues. Ficou diferente da original, mas foi meio, que, sem querer. Sentimos que estava ficando legal e acabamos levando para o show. Fizemos uma temporada de shows durante as gravações do disco que foi na Letras & Expressões de Ipanema, para ver a reação do público. Da mesma forma, como gravar em Teresópolis interferiu no processo de criação e gravação. No show também aconteceu isso. Do meio pro fim do disco, várias músicas entraram devido ao termômetro que os shows ofereceu. Então, entraram “As rosas não falam”, “Mina”...
- Fale de sua parceira com Leoni em “Noite perfeita”, canção que parece muito com os habituais hits do Kid Abelha.
- O primeiro CD não tinha tanto ponto em comum, mas neste disco, eu relaxei em relação a isso. Fui escolhendo as músicas que achava boa e com um resultado bom! Meu processo de escolha não foi um caminhar para alguma coisa que fosse especialmente diferente do que faço no Kid Abelha. Essa música, por acaso, eu compus com Leoni e foi a primeira gravada no disco. Nos encontramos e no começo de janeiro, ele foi para Itaipava assistir o primeiro do show do ano dos Britos. Junto, ele trouxe três letras. Levei as três pra casa e acabei fazendo no violão todas elas de uma vez só! Uma delas era “Noite perfeita”. Depois, nos encontramos para dá uma acertada nas músicas, num clima ótimo, na casa do Leoni em Araras. Gravamos duas em voz e violão e a terceira, era “Noite perfeita” que resolvemos gravar no meu estúdio. Ele tirou o baixo do armário e chamamos o João Barone. Foi assim que disparou o negocio de fazer o disco. Chamei o Nilo Romero para dar uma direção e o resultado foi à gravação que fizemos no dia. A linguagem ficou muito espontânea. É engraçado que começamos juntos, cada um seguiu seu caminho e de repente, nos reencontramos lá na frente... É maior barato!
- Gostaria que falasse das parcerias.
- Esse disco é bacana porque tem um equilíbrio legal entre as músicas que eu fiz sozinho e que acho que é uma característica que você pode explorar com mais intensidade num disco solo. Detectei isso no disco anterior. As músicas que as pessoas mais gostam, são as que eu escrevi também. Talvez, o diferencial num disco solo ou banda, é ser mais pessoal mesmo! Evidenciar mais, sem ficar escondido em canções. A música que escrevi, como por exemplo: “Curados ao sol de Copacabana”, é mais profunda e fala das raízes de minha família. O disco está bem equilibrado como o lado pessoal e as parcerias. Tem até parcerias inéditas com a com a Suely Mesquita “Como você já é” por exemplo. Ela é minha preparadora vocal, super professora de canto que me ajudou bastante. Eu ficava sempre rouco nos shows dos Britos e nunca acreditei que existisse uma solução para isso, mas com a orientação ficou tudo legal. No primeiro disco saí cantando sem experiência de gravar voz e sempre descuidado com a técnica, indo sempre na emoção. Isso limita um pouco. O tempo que estive cantando direto com Os Britos e shows e com essa preparação, deu um upgrade legal. A Suely Mesquita além de professora, tem música gravada com Fernanda Abreu, Pedro Luis... Já tínhamos uma parceria, mas nunca havia gravado nada nosso. “Como você já é” é uma música que eu adoro! É uma letra que até parece que é minha. Tem uma parceria com o Marcelo Camelo, que é um cara que curto as composições. Nunca havia feito nada com ele. Conheci através da Bebel que trabalha com o Kid Abelha e Los Hermanos. Ela fez a ponte e nos encontramos. Nos conhecíamos de bastidores. Mandei, ele curtiu e fico ótima.
- Teve participação do Marcelo Camelo no disco?
- Somente na composição. Ele não cantou. Esse foi o mico dos créditos do disco. (risos)
- Fale mais das parcerias.
- “Mina”, é maior rock que nós (George Israel e Nilo Romero) fizemos com Cazuza. é uma letra daquela safra... O Leo Jaime havia gravado em um de seus discos. O Cazuza chegou a gravar mas não entrou em disco nenhum. Dei um trato diferente, levei para um lado mais rhythm blues, no qual eu poderia tocar saxofone, a composição é a mesma, funcionou muito bem no show e entrou no disco. Com Alvim L., tenho feito algumas coisas em parceria. A faixa “Alguém como você” foi enviada para o Paul Ralf que estava produzindo Sandy & Junior e acabou entrando também no disco da dupla. De qualquer forma, deixei entrar no meu disco. Tem a “Eu posso falar mais alto” que é uma letra maravilhosa do Alvim. Ele mesmo diz que é uma das letras que ele mais gosta. A música ficou bem bacana com a participação dos Britos e, é uma letra muito especial. Tem o Hélio Rocha na faixa “No amor que vem” que foi produzido pelo Marcelinho da Lua. O Hélio tem uma banda punk. Ele é tipo de uma ovelha negra da Bahia! Ele compõe bem! Ele é meu amigo dos tempos de fogueira e roda de violão. Tenho vontade de produzir um disco dele.
- Nessa faixa, a formação dos músicos é totalmente diferente de todo o disco.
- Exatamente. Isso é outra galera que conheço através do meu primo Rodrigo Cha, que é saxofonista e estará lançando disco. Ele toca com Bossa Cuca Nova. Eu me aproximei do Marcelinho da Lua e do Alexandre Moreira. De vez em quando faço participação no show deles. É uma forma totalmente diferente de produzir e fazer música. Nessa faixa, não é puro e simplesmente fazer um remix. Nos encontramos e achamos uma praia em comum. Gosto do som deles e foi maior astral.
- Sempre que o Guto Goffi compõe algo, pelo que percebo, é ele quem faz a bateria. Isso não ocorreu agora.
- “O céu que nos protege”, é uma coisa engraçada. É a faixa mais estúdio do disco. É a música que o Nilo e o Damien começaram com bit, uma textura sonora mais viajante e menos tocado. Um dia o meu filho Leonardo de 11 anos, que é baterista, estávamos gravando uma bateria. Eu comentei com o Nilo que gostaria que meu filho tocasse em uma faixa. Tive a idéia de fazer uma outra música mas por acaso, os produtores estavam mexendo nessa música. Só que ele chegou da escola e tinha uma hora pra gravar, e começou a fazer um som de bateria e os caras falaram: - Deixa ele e não vamos falar nada. Faz quatro takes e depois arrumamos. Ele está tocando muito espontâneo, fazendo um som típico dos anos 70. O Guto ficou amarradão. O Leo já deu várias canjas nos Britos e o Guto é super carinhoso com ele e dá maior força. Quando Os Britos foram para Inglaterra, levei o Leo comigo e ele não desgrudava do Guto. Ele tocou no DVD também! Engraçado que quando eu saia com minha mulher (na Inglaterra), ele dizia que queria sair com o Guto! É maior delicia em poder fazer coisas junto dos filhos. Essa faixa é uma parceria minha com Guto Goffi e Dadi.
- E o Jorge Mautner?
- O Mautner é tipo um mestre! Já tinha uma parceria com ele no Kid Abelha. É sempre bom estar perto dele. É m cara de grande conhecimento, um grande poeta e também é descendente judeu. Esse foi dos motivos que o chamei e ele tem idéias maravilhosas. Ele me fala que o pai dele o criou pra ser uma arma antifascista e antinazista. Acho isso maravilhoso! Uma mente delirante com informação! A tua arma é seu pensamento! Do caramba! Realmente o Brasil é uma geléia geral. Na música “Curados ao Sol de Copacabana” eu cito o livro do Darcy Ribeiro “O povo brasileiro” que é essa mistura geral de tempero, essa bagunça étnica que é bacana e que dá um diferencial. Existe preconceito secular, mas existe um convívio bacana! Um dia, participando de um programa de entrevista numa tv, estava eu falando sobre essa música. Tinha um livro que havia sido escrito por um árabe e um judeu, juntos. Eu acho o convívio, de origens diferentes, magnífico! Essa música é um pouco disso. É um pouco da história de minha família e de várias que foram arrancadas de suas vidas pela insanidade! Por outro lado, tem a onda da poesia de chegar nos trópicos e falar das coisas do Brasil, que não eram exatamente daquela época. Têm desde o Pão de Açúcar, Bossa Nova, Jorge Mautner, Erasmo, Gabeira... Manga sobre a mesa. São imagens que tenho e o maior barato, é que é o Brasil! Chegar da guerra, com aquela destruição toda.. Entrar num país desse com muita luz... Olhar também como crítico e jogar também um olhar deslumbrado e tropicalista. O Jorge Mautner é o cara, que por eu ter lido o livro dele, me inspirou escrever essa letra. Nessa música tem a participação também do Jorge Drexler, que não está no disco, mas está no site que vai ter umas versões acústicas de algumas músicas, processo de gravação e etc.
- Quando compõe em parceria, as letras é você quem faz?
- Geralmente eu faço, mais, as músicas. A maioria de meus parceiros são letristas. Eles já fizeram a melodia e música também. Com a Paula (Toller) em 90% das composições, ela me dá a letra e eu faço a música ou mando á música e ela faz a letra. Depois nos encontramos pra dar uma lapidada e, de repente dou uma sugestão na letra e ela muda uma coisa na música. Eu tenho muito mais facilidade em fazer a música. A letra é uma coisa que exige mais de mim. Eu escrevo e tal, mas é uma coisa mais demorada. Música eu encaro mais como curtição e flui muito bem. Antigamente eu fazia a coisa muito de supetão. Ultimamente faço de supetão, mas depois gosto de ficar lapidando.
- Em entrevista o Roberto Carlos disse que o disco dele nunca é finalizado. Ele entrega porque tem compromisso com gravadora. Você é assim também?
- Cara, não tem ninguém que não seja assim. Claro que cada qual com um nível. Tem que ter um produtor para administrar e falar: - Chega de viajar! O que acontece é o seguinte: O mais importante é o repertório. No processo do disco, você vai achando que está faltando uma música mais assim... E faz. A coisa fica empolgada... E daqui a pouco começa a virar loucura. É muito tempo investido em cada música.
- Já aconteceu do disco ficar pronto e quando você escuta, acha que poderia ter feito diferente?
- Nesse disco, eu me rebelei e achei que deveria escrever sobre o que falamos em “Curados ao Sol de Copacabana” achei que aquele assunto era vital. Fui numa palestra de um sobrevivente dos campos de concentração e a missão dele era lembrar o passado para que isso nunca mais venha acontecer. Sentir-me na obrigação de fazer algo e o disco já havia terminado e os produtores estavam viajando. Como não dava pra fazer outra música, peguei uma canção que tinha feito e que era de menos importância, fiquei com a base da música e coloquei a letra em cima. Mandei por MP3 e saiu tudo certo. Já estava com a participação do Mautner e tudo. Foram dois dias de loucura.
- Você gravou, o disco, cercado de diferentes músicos. Artistas contemporâneos e até mais jovens. Rodrigo Santos, Fernando Magalhães, Paula Toller, Frejat, Guto Goffi... Todos integrantes de bandas renomadas e estão fazendo ou preparando trabalho solo, seja em disco ou em show. Fale sobre isso?
- Um turbilhão de coisas aconteceu nesses dois anos. Essa história com Os Britos veio com muita força e espontaneidade, e virou uma banda de verdade! Rolou uma química. Viajamos duas vezes para Inglaterra e em cada uma delas ficamos duas semanas, curtindo muito, indo a lugares que antes nunca tínhamos ido com o Kid Abelha e nem com o Barão Vermelho. A banda foi ficando mais coesa, com cara própria e as pessoas que acompanharam, sacaram a dimensão da coisa! Depois começamos fazer músicas, cada um fazendo sua composição e misturando com a dos demais. Todos com projetos solos... Nós estávamos com a criatividade muito exposta e aguçada. Era uma competição saudável, cada um querendo compor mais que os outros. Acho que isso foi um momento surpreendente! Na altura do campeonato acontecer tudo isso! (risos) Agora, um participar do disco do outro, acho muito legal! Estamos cercados de músicos que são apaixonados pelo que fazem e todos são experientes. Desta forma, as coisas rolam fáceis! No meu primeiro, disco fiquei positivamente surpreso com a disponibilidade! Teve Lulu Santos, Sergio Dias, Liminha... Uma galera que muitas vezes estão ocupados. Percebi que isso que é a grande curtição no show do Neil Young no Rock in Rio! Deu uma luz f...! Os caras, todos com mais de 60 anos e ele tocando junto com a Crazy Horse. Fizeram uma ambientação para o palco de um festival com mais de cem mil pessoas. Saquei a onda deles quando percebi que eles fizeram do palco a sala da casa deles. Eles não tinham monitores era tudo um site feel, colocaram umas velas, estátuas, tapetes... Eles estavam levando muito som e fazendo o que eles gostam. Isso foi o que eles me passaram!
- Kid Abelha volta quando?
- Nós combinamos tirar um ano de férias. É o tempo natural de um clico. Nós já tínhamos combinado, desde julho do ano passado, quando a Paula estava querendo fazer o disco solo. Acho que paramos no momento certo. Não cortamos nada e fluiu bem a coisa do acústico. Até a hora em que paramos, ele (Acústico do Kid Abelha) estava entre os dez discos mais vendidos. quatro anos depois do lançamento. Depois lançamos o “Pega vida” que é um disco que todos nós gostamos muito. Achamos o melhor disco de estúdio que lançamos. Terminamos a turnê com um show no reveillon com as famílias reunidas! Foi uma coisa bacana! O barato do Kid Abelha é que sempre fazemos as coisas com tesão! Com certeza faremos um disco novo em 2008. Agora o que vai acontecer depois, eu não sei! Vamos esperar as coisas acontecerem.
Publicado originalmente na edição 138 do jornal International Magazine – Novembro de 2007